Somos adultos. Posso escrever?
Sexta. É de noite. Um convite de sexo entre amigos desperta-me no passado. Não aceito como nunca aceitaria. Não sou eu que queres. Fala-me do meu cheiro. Procuro. Mas não entendo. Quando não entendo, sou eu. Páro. Recuo.
Marquis de Sade
17 anos. Estamos em 1990 salvo erro. Um liceu opressivo. De uma disciplina ofuscante, sombria. Passei 11 anos nesse poço de cultura. Literatura vadia e variada, nomeadamente francesa na ordem do dia. Todos os dias. Para além das grades altivamente enraizadas na terra vermelha, marcaram-me: Baudelaire, Molière, Sartre, Yourcenar, Voltaire, Camus, Flaubert, Mallarmé, Beckett, Ionesco, Victor Hugo, Rimbaud (o meu favorito). Adorava Baudelaire e especialmente Rimbaud.
Embora Beckett nao fosse nacional, era também fascinante. Tinha a sensação que nos inebriávamo-nos do mesmo mundo. Vivia Beckett como cúmplice. Talvez me tivesse ajudado a superar a sensação de obscuridade que ali se vivia.
Imaginem um poço fundo. Muito fundo. Tão fundo, que a luz é mera miragem em ponto de agulha. Imaginem um poço forrado a livros dos séculos 13 a 20. Descansem as vossas pupilas e vejam-me. Revejam-me sentada agachada nesse espaço sombrio.
Lembro-me que a nota máxima que alcançei em literatura francesa foi um 15 dissertando Baudelaire com o afamado "Spleen de Paris". Adianto-vos que um 15 era O Acontecimento. Ainda guardo religiosamente a peça devassada a vermelho pela mão irosa de Mademoiselle Faure.
Entra em cena o Bicho: Mademoiselle Faure reencarna o nosso Marquis de Sade. Uma solitária, La débauche em pessoa, dos seus 30 e poucos anos dispostos a tudo. A TUDO.
Passa por cima da Instituição, altera-nos o programa estipulado para o ano e empreende a saga SADE. Marquis de Sade em 8 meses. A aplicar na prática. Envolve-se com os alunos em troca de notas e insultos. "Vodka? Whisky? Gin, Pedro?". Uns cedem. Outros, estampam-se na palavra "moral". Recordam-se-me os lábios carnudos pintados a vermelho pecado. Os peitos em queda sobre a mesa, a perna dobrada em jeito de puta. Recorda-me tudo. A nossa concordância. A nossa idade. A nossa ingenuidade, a sua valiosa aliada. É a matança de um Candide, ou l' Optimisme. Tudo vale. Tudo se conta. A Verdade e a Não Verdade. A Não Verdade, um novo conceito que adquiro como certa nesta vida. As litradas de Marquis de Sade. Um novo sangue. Passamos a dominar Marquis de Sade. Julgo ter sido essa a vontade do autor: que o dominássemos. As poucas pessoas que me conhecem ficam, de certo, chocadas com algumas das minhas manifestações em matéria de sexo, não práticas, descansem, mas teóricas:) É porque nao conhecem o percurso do ser. Sou sempre muito tolerante com todos. Porque sei que nada é por acaso. Nada. E eu nao sou por acaso. Sou porque fui.
Mando o amigo à fava. E, estampo-me em moral.
segunda-feira, junho 18, 2007
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3 comentários:
Não somos por acaso.
want to hear all about it
Isto até dá prazer so de ler!
Escreves mesmo bem Sophia!
;)*
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