quinta-feira, janeiro 03, 2013

Dorme, meu amor

Manhã de 31 de Dezembro: sempre o mesmo ritual, o ritual que cumpro para confirmar que estou viva, porque nem sempre tenho a certeza se o sonho é a vida, ou a vida é o sonho. Ponho-me frequentemente a pensar de que lado me sento perante o  espelho virtual que separa o "meio sono". Estou aqui ou ali? Mas sou eu. E essa é a minha certeza. Na manhã de 31 deste ano, o chá da manhã na Praça da Figueira, a caminhada descendente de olhos arqueados azuis, deitando-se no acinzentado céu do mês "só", a passagem pelo S. Domingos e a ginja D. Maria esfriaram a minha certeza: corações de cartão engrossados pela penúria de um sem -amanhã e um sempre-ontem enodoam as calçadas, os bancos da avenida da pobre-liberdade.  Ironicamente, nessa dita avenida da pobre-liberdade, apercebo-me então que os corações de cartão estão aninhados na direcção de quem mais come, de quem mais degluta manifestações cuspidas.Grosseiramente cuspidas. O pobre da avenida da pobre-liberdade já nem se importa se a terra gira, porque o seu coração de cartão colou-se ao chão. Dorme, meu amor, no espelho da vida.