terça-feira, janeiro 02, 2007

Cá dentro

Ela dizia que mais valia terem-lhe cortado as mãos com um machado. Recordo-me da pedrada (de pedra atirada), recordo-me de estar escondida por trás da sanita, tentando abafar o tremor, o temor.
Recordo as vezes que circulávamos de carro no banco traseiro ajoelhados no chão, o terror psicológico. Miúdos: 7 anos. Lucky number? Recordo as saídas, as esperas,os regressos às espreitas. As ambulâncias, as injecções. Os bombeiros, os 115. As injecções e as idas, os regressos, as persianas apagadas, a luz adormecida. O silêncio de ouvido encostado na madeira ressequida das duas portas. A esquerda e a direita de um terceiro e último andar da baixa de Lisboa. Os silêncios de hora. Os telefonemas sem linha, as campaínhas. Os toques variados das campaínhas, conforme os dias. O Natal dos reféns. Os cinemas prolongados para voltarmos a horas de mocho, na calada da noite. Recordo a palavra dupla. Os braços secos. A face seca. A pose de um cavalo de combate. Os pós espalhados nas nossas meias. Sim: as bruxas que lhe espalhavam a pensão em feitiços, sonhos de malvadez. E aquele silêncio de novo a bater-me cá dentro como um monstro, um monstro gordo, bulímico: a comer-me aos poucos e a vomitar-me lentamente. Cá dentro.
Os escândalos que hoje muito se assemelham aos concertos. Soam-me ao mesmo: os olhos postos sobre uma meia dúzia de indivíduos, os gritos, o palpitar do teu coração porque existo. Porque vivo. Porque sofro e já não te sentes só.
Os anos passam. A vida não.
O machado, e puta são as palavras mais recorrentes da memória. O La, a nota dominante. A tesoura, o acessório de praxe.
O coração apertado, o coração apertado. Acho que nunca vivi de outra forma. E quando me pedem para relaxar, pedem-me o impossível. Tenho o coração esticado para dentro, para um buraco negro no universo do meu ser. Quem me conhece, sabe bem que o único som que me apaga e me pode esquecer é o som de um instrumento.

It has been an unexpected life, indeed!

Não vos deixo esta noite sem rematar: foram os momentos mais negros que me fizeram. As alegrias são o fast-food da vida. As dificuldades, a escola, a fonte da Sabedoria. Sophia

http://www.thinkbabynames.com/meaning/0/Sophia

2 comentários:

Carina disse...

Mas hoje, porque é três de Janeiro e se ainda de coração apertado, porque não te vou pedir o impossível, celebramos o teu aniversário. Muitos parabéns querida Sophia.

Sophia Cinemuerte disse...

:)