sexta-feira, novembro 02, 2007

Osso puro

Ponderei expor o historial materno, mas decidi-me. mais cedo ou mais tarde, alguém trataria de o fazer. Posto isto, prefiro tomar a iniciativa. Este post é desajeitado. Não tem espírito. Não tem beleza. Tentei dar-lhe a special touch...em vão. Há contos de osso. É osso. Osso puro.

Façam de conta que " e era uma vez...".

Vou contar-vos um pouco da minha cor.
Prometo que pensarão antes de se aproximarem na minha direcção. Legítimo. Certo. Mas quem me conhece, sabe do que sou.
Um anti marketing pessoal à prova de tudo. A vida conta-se porque se vive para contar. O tabuísmo fica no patamar da porta desta casa. Aqui, expurgam-se vidas.

Há quem julgue que me conhece, pelo que aqui passo a citar esquissos do vosso seguríssimo conhecimento acerca da minha pessoa:)

Ela chegou-se perto de mim, o lábio frio superior estalando-se de secura contra a minha pele, aligeirando-me a curva do rosto, cravando-me a dor da incerteza: "a menina foi-Me oferecida pela sua avó, tinha a menina 8 anos." Guess who and Who?

Os meus bisavós praticavam bruxedo como quem lava pratos. Enterravam galinhas vivas e afins. Morreram ambos queimados, caindo em queda na sua própria fogueira.
O meu avô materno, era são ciprianomaníaco. Guardo religiosamente as suas cartas. As que mais me tocam são do período fascista em que ele nos conta o país, endereçando-nos as suas visões, em cartas de tom esperança, para Paris. Desapareceu nos anos 90, sem deixar rastos. Decorridos 4 anos sobre o desaparecimento, o corpo foi encontrado na mata de Mação: a Guarda Nacional Republicana recolheu-lhe as ossadas - os ossos do seu alto corpo, esquissos de uma distinta refeição de lobos que marcam aquela Mata, outrora frequentada pelos espíritos que os seus pais teimavam desafiar . Guardo religiosamente as fotos e reportagem anexa do Instituto de Medicina Legal de Coimbra. Para nunca mais esquecer. A minha avó, sociopata, nos anos 70, foi corrida do Hospital Júlio de Matos, por ali se considerar que a malvadez não tem cura. Manuseia a faca com estilo, há anos. A brujeria tb. Intervalavam-se as crises com injecções de cavalo de 115/112 e colete de forças. Não a vejo há mais de 20 anos. As pedras, os pós nas meias, a merda do mundo ferido.
O meu Tio Avô Padre engravidou a prima com quem mantinha uma relação secreta. A prima enforcou-se. A propósito da minha avó, conta-se que ela, em miúda,terá visto um sujeito enforcar-se num descampado. Conta-se que o demónio que o possuia se teria apoderado dela.
O meu Tio Avô Álvaro, era o lobisomem "lá da terra". Só voltava, percorridos os sete castelos de um Alentejo profundo.
Administraram-me a extrema-unção em criança. A unção é uma bênção de morte.
De cordas rijas de burro cansado, a minha avó atava-nos à cama, aos 3 pela noite.
Esperava por nós na escuridão, ao virar da esquina. Gemia de dor, de hálito a natas fervidas. Ameaçava-nos de morte ... à machadada. Aos 10 anos, virei-me para ela, e sugeri-lhe que lhe fosse comprar o machado. Professava venenos colorindo a sopa. Sopa de letras de ódio praguejado. A minha avó, levava-nos para a rua para nos "fazermos" aos cartazes da AD. Lembro-me de Sá Carneiro. Rasgavámos-lhe a face de papel. Curiosamente, ele viria a falecer no dia 4 de Dezembro de ...naõ me recorda. Recorda-me que o meu pai foi jantar nesse fatídico dia ao Tavares R., para celebrar o seu aniversário. Quando se sentou à mesa, o empregado disse-lhe : "Tivemos agora uma triste notícia: o Dr. Sá Carneiro acabou de falecer, vítima de um desastre de avião. Esteve sentado no seu lugar, hoje ao almoço.". Recordo-me de lhe rasgar a cara de papel. Tínhamos de fugir para não sermos apanhados pela Polícia. Tínhamos 8 e 10 anos. Naquela idade, aquele desvio, parecia-nos soberbo. Fugir? Foras de Lei. Soberbo. Ora cresci banhando-me de riqueza cultural embrulhada em dor.
Vivi com suicidas, depressivo-maníacos. Agarrei-lhes o espírito- por várias vezes, tive-la agarrada pelo braço num encosto de janela. Por várias vezes, limpei-lhe o vómito, a urina, e até as fezes. Passei temporadas em hospitais. Abandonei ensaios a meio sobressaltados. O pai sempre ausente.
Dois de nós, são fanaticamente pessoas de fé. Um missionário em Moçambique. Uma missionária de olhos postos no mundo. Vivi uma infância muito feliz até aos 7 anos de idade. Recordo-me de uma professora que deu cabo de mim. Enterrou o meu sorriso aos 7. Tive um episódio infeliz aos 11, aliás dois relacionados com sub-mundos: aos 11 e aos 13. Esses sub-mundos ficam no patamar à porta desta casa.
Fui adestrada no famosíssimo e bem cotado Liceu Francês Charles Lepierre cohabitando com a crème de la crème.Interpretando o papel de actores do mundo, curiosamente, intervalava a encenação num típico bairro alfacinha ao jeito do Pátio das Cantigas. Passávamos temporadas em casa de uma Tia Avó, muito pobre. Aprendi o conceito de reforma de 20.000,00 escudos. O pão sabia-nos melhor do que o pão dos nossos pais. Revestiu-me de uma dualidade que ainda hoje me pesa: a vida de um pobre vs. a vida de um rico. A vida de um louco vs. a vida de um feliz. É a chamada multiculturalidade. É disso que vos falo neste post. A multiculturalidade que pinta estas linhas, confere asas para altos vôos. O pássaro voa bem mais alto porque avista longinquamente.
Pergunto-vos se acham que sou feliz. Tenho os meus momentos de pura felicidade. A felicidade não existe. Existem sim momentos de felicidade. Aprendi que tudo passa. Tudo passa. Trespassa-nos mas passa. A Dor é um ingrediente construtivo, fortelecedor, uma vitamina F+: confere um poder. Preferia não ter sofrido claro. Mas teve um impacto profundo na visão que desenvolvi quanto ao que me rodeia, quanto aqueles que me rodeiam. O mundo abraça-me com o melhor e o pior, a cada momento que se esgota. E é nesse esgotamento, que o aprecio.
O mundo das supostas maldições não me pertence, mas percebi com o tempo que eu talvez Lhe pertença. Whatever. Não quero saber. Há de chegar o Dia. Sigo o meu precioso e ímpar desafio que é viver.


Posto isto, claro, vão pensar que é tudo mentira ...ou não...fruto da minha imaginação? Possivelmente:) BUH!

P.S.:Sei que não convém expor-me desta maneira. Tendo em conta que é um conto, assumo o risco.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não quero vir para aqui comentar dizendo se acho que é verdade ou mentira, muito menos por-me com um comment todo obscuro a querer armar-me, ou a armar-me mesmo com frases todas "xpto", enfim.. quero apenas dizer que LI as tuas palavras afincadamente.

Acabando portanto por não dizer nada, mas marcando a minha presença.

"Osso puro", acho que é um termo completamente "tu". Encaixa na perfeição, no meu ver, que vale o que vale.

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